Vestindo Papeis


Lá estava aquele vestido na vitrine por anos. O mesmo que, de tempos em tempos, tiravam do manequim para limpar e recolocavam ali, com cara de novo. Feito de um material diferente, um tipo de papel, sua promessa era ser muito resistente ao tempo e a acidentes. Sua textura fina, quase delicada, contrastava com a rigidez que o tornava apertado ao corpo. Anos atrás, aquele modelo fora recorde de vendas, mas apenas esse único restou. E ficou ali, intacto. Quando alguma possível compradora entrava na loja, os vendedores costumavam dizer:

- Olhe esse vestido, que lindo. Vai ficar ótimo em você. – Então, as moças o experimentavam, mas logo desistiam ao perceber que não cabia.

Porém, naquele dia em especial, Susana saiu do trabalho determinada a encontrar a roupa perfeita para sua festa de aniversário, que seria naquela noite. Precisava de algo que a fizesse sentir-se poderosa, afinal, era seu dia. Passou por todas as vitrines, sem gostar de nada. Até que, ao chegar naquela loja, bateu os olhos no vestido e disse:

- É meu! – Nem quis experimentar. Decidiu levar de uma vez.

De frente ao espelho, já em casa, vestiu-se com a roupa nova. Foi puxando, puxando, puxando... Ufa, entrou. Susana olhou-se atentamente e estranhou: o vestido estava descosturado na lateral. Correu, pegou agulha e linha e costurou. Vestiu-se novamente, desta vez encolhendo a barriga para não danificá-lo. 

- Estou linda! – disse ela, com a barriga apertada, seios comprimidos, coxas grudadas. Tentou andar, mas ouviu o som daquele papel quase rasgando. Parou. Achou melhor sentar-se para tentar esticar a roupa, mas sem sucesso. Concluiu que o melhor seria andar devagar, com passos curtos.

Sentou-se de lado no carro. Na festa, não conseguiu dançar nem abraçar os amigos. Mas Susana resistia, afinal, era o vestido perfeito.

À medida que a noite avançava, no entanto, cada costura apertava mais sua pele, cada movimento parecia arrancar-lhe um pedaço de si mesma. O sorriso murchou. Finalmente, sentada à mesa, sem conseguir se mexer, olhou-se no reflexo do celular e perguntou-se:

- Perfeito para quem?

Naquele instante, olhou novamente o vestido, mas com outro olhar: o seu. Susana levantou-se, entrou no banheiro e tirou-o do corpo como quem se liberta de um fardo. O alívio foi imediato. Ela se olhou no espelho, livre daquele aperto. Respirou. Ao voltar para a festa, vestida apenas com uma camisa e o jeans confortável que levara na bolsa, sorriu de verdade. E, pela primeira vez naquela noite, dançou como quem era, sem se preocupar em caber ou vestir personagem algum. Estava poderosa.

Tatiana Dias Gomes
Psicóloga Clínica
CRP 05/35960

Nota: Esta história é uma ficção. Embora seja inspirada por temas universais sobre a experiência humana, os personagens e eventos não têm relação com pessoas reais.


Comentários

  1. Que texto lindo e inspirador! Isso nos faz refletir a importância de não deixarmos de ser quem somos em nossa essência para tentar caber em situações que não cabemos apenas para ser o “perfeito” de outros olhares! ❤️

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