O Que Fica


Maria nunca imaginara que, aos 15 anos, precisaria lidar com uma falta como aquela. Como poderia, em um dia, aquele homem tão presente, que iluminava seu entorno, estar ali e, no outro, já não estar mais? Não fazia sentido. Aquele avô que lhe ensinara a “voar com a imaginação” ou a “procurar os pequeninos” pela casa. Pequeninos que ela nunca tinha visto, mas que, por ele ter dito que existiam, ela confiava. Na infância, os buscava em cada canto da sala, do banheiro, da cozinha. Mesmo quando a maturidade a fez deixar de acreditar, ainda os procurava, para que seu avô não notasse que ela havia crescido. Tantas lembranças...

- Por que o final me faz lembrar do começo? - perguntou-se Maria, olhando para o gramado daquela casa, onde, poucos dias atrás, vira seu avô pela última vez, regando as flores.

Levantou-se e caminhou pelo jardim, seguindo os passos daquele homem que a ensinou a amar as plantas e os bichos. Ajoelhou-se para sentir o perfume da flor preferida de Jaime. Talvez ele tenha feito isso tantas vezes. Sorriu, os olhos marejados.

- Ele tinha bom gosto. É a flor mais perfumada.

Ao se levantar, ouviu sua mãe chamá-la. Maria entrou na sala onde, tantas vezes, brincou no tapete, esperando que voasse, pois Jaime jurava que, com o pó de pirlimpimpim, ele decolaria. Na mesma sala onde, aos cinco anos, espalhou bolinhas de papel higiênico molhado para ajudar na limpeza, gerando risos em toda a família. E na mesma em que seu avô, certa vez, montou um cinema improvisado com projetor para assistirem juntos Cinema Paradiso. Tantas memórias compartilhadas em um só espaço, que antes transbordava de vida e agora parecia vazio.

As paredes amarelas pareciam brancas, o piso de madeira parecia cimento, os pássaros haviam silenciado. Tudo ao seu redor se transformara em uma grande mancha escura. Maria se sentiu perdida e deitou-se no sofá, com os olhos fechados.

Foi então que sua mãe botou aquela música. A música que Jaime sempre colocava para tocar nas várias caixas de som espalhadas pela casa, enquanto cuidava dos animais de manhã. Maria, pequena, costumava segui-lo para onde quer que fosse, tomando seu iogurte matinal ao seu lado. A melodia suave preencheu o ar, trazendo de volta as cores que pareciam ter se dissipado. Maria se reencontrou, sentindo que, de algum jeito, ele ainda estava ali, presente em cada gesto, nas pequenas coisas que lhe ensinou. Era como se ele se eternizasse dentro dela,  bem vivo.

- Um pouco dele e um pouco dele em mim. Que presente.

Nesse instante, ela se deu conta do que aquele sentimento significava. Saudade. Aquele sentimento de quando recebemos um presente em forma de gente na vida. E presente não se devolve. Fica.

Tatiana Dias Gomes
Psicóloga Clínica
CRP 05/35960

Nota: Esta história é uma ficção. Embora seja inspirada por temas universais sobre a experiência humana, os personagens e eventos não têm relação com pessoas reais.

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