Generoso e Narcisa


Generoso se importava tanto com as outras pessoas que esquecia de si mesmo. Por vezes, sem se dar conta, apagava-se atrás dos olhares e vozes alheias. Dedicava-se aos outros, fugindo das palavras de agradecimento, parecendo não se importar com isso. Afinal, poucas vezes em sua vida fora reconhecido pelo bem que fez, e ele se mostrava confortável nessa posição.

No dia em que Narcisa o olhou, o rapaz se encantou imediatamente. Haviam combinado um encontro às cegas. A moça, de postura firme e andar decidido, entrou pela porta, procurando o homem da foto. Localizou-o sentado, brincando com um copo. Generoso levantou-se rapidamente, um pouco tímido. Foi quando descobriu, pela primeira vez, o prazer de ser olhado nos olhos.

Quem conhecia Narcisa estranharia esse interesse de se envolver com alguém. Ela, decepcionada com ingratidões passadas, havia decidido olhar apenas para si mesma. Concluiu que nunca se trairia e nunca se negligenciaria: teria o caso de amor perfeito consigo mesma. Portanto, interessava-se apenas pela própria vida.

Porém, naquela noite, percebeu nos olhos de Generoso, ao encontrá-lo, o nítido reflexo de seu próprio rosto tão delicado, o que despertou aquele frio na barriga. Os dois se olharam por dias seguidos, quase sem intervalo, e sem trocar muitas palavras. Narcisa se espantava com o quanto aquele homem se moldava a tudo que ela desejava. Ele, por sua vez, encantava-se com todos os seus desejos. Os dias intermináveis foram passando, até que Generoso parou de piscar, pois não queria perder um segundo sequer olhando para sua amada. Seus olhos tornaram-se opacos e a cegueira o consumiu. Desesperou-se, então, com a limitação de não poder vê-la. O calor da conexão que compartilhavam começou a se evaporar, dando lugar a uma incômoda frieza.

Narcisa, novamente decepcionada, decidiu procurar outros olhos tão puros quanto aqueles. Afinal, quanto mais puros, mais nítido seria o reflexo. Enquanto isso, Generoso, na impossibilidade de vê-la, passou a olhar para dentro de si.

Em sua busca, Narcisa não obteve sucesso. Descobriu que não existiam olhos tão puros no mundo quanto os de Generoso antes de perderem o brilho. Ainda muito triste, com toda a solidão que a tomou por inteiro, ela o reencontrou. Para sua surpresa, os olhos dele estavam até mais belos, mesmo opacos. Narcisa olhou além. Pela primeira vez, viu Generoso e percebeu um sentimento diferente, uma vontade de conhecê-lo, de descobri-lo, envolvê-lo em seus braços... Sentiu amor. Ele, por sua vez, também passou a se amar. Sentia-se mais vivo, mais seguro, cheio de sonhos. Além disso, sua vista, aos poucos, abandonou a opacidade, ganhando um brilho novo. Um brilho que mesclava Generoso e Narcisa.


Tatiana Dias Gomes
Psicóloga Clínica
CRP 05/35960

Nota: Esta história é uma ficção. Embora seja inspirada por temas universais sobre a experiência humana, os personagens e eventos não têm relação com pessoas reais.


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